Governo de MS usa ''artimanhas contábeis'' para disfarçar investimentos em saúde
A queda-de-braço desencadeada pelo Conselho Estadual de Saúde (CES/MS), que apontou o descumprimento da Constituição Federal por parte do governo Puccinelli na aplicação de recursos públicos no setor, tem a ver com o uso de artimanhas contábeis para "inflar" a prestação de contas. Os conselheiros produziram um relatório em maio deste ano que coloca em dúvida os R$ 618 milhões aplicados em saúde pelo governo no exercício fiscal de 2009. Deste montante, R$ 186 milhões correspondiam à amortização de dívidas, e outros R$ 80 milhões viriam da Lei estadual do Rateio. Em resumo, dinheiro que não é diretamente destinado a hospitais, postos de saúde, insumos e profissionais. A partir da Emenda Constitucional nº 29, do ano 2000, os Estados ficam obrigados a investir na saúde 12% da receita proveniente de impostos. Pelos cálculos do governo, os R$ 618 milhões alegados atendem à meta constitucional, mas os conselheiros descontaram o montante oriundo de dívidas e da lei do rateio e concluíram que o governo Puccinelli ainda investe abaixo do que manda a Carta Magna - o índice real seria de 8,56%. A análise do conselho mostra que somente R$ 351 milhões foram efetivamente aplicados na saúde estadual. Entenda a Lei do Rateio A lei estadual nº 2261/2001 autoriza o poder executivo a utilizar recursos de outras secretarias, órgãos e autarquias para "turbinar" as contas públicas. As despesas são indiretas, mas acabam sendo contabilizadas em outras rubricas. O texto foi aprovado pelos deputados estaduais sob a bandeira de "fazer funcionar a máquina pública" - em outras palavras, legitimar a falta de aplicação de recursos em setores essenciais, como a saúde. Há cinco anos, a Procuradoria-Geral da República tenta derrubar a Lei do Rateio no Supremo Tribunal Federal. O texto seria uma afronta à Constituição Federal porque flexibiliza demais o conceito de "ações e serviços públicos de saúde". Ficam englobadas atividades de arrecadação, suporte técnico administrativo e gestão do aparelho estatal, ou seja, dinheiro que não vai para a saúde. O problema é que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, está em "solene dormência" no tribunal em Brasília, nas palavras do procurador Felipe Fritz Braga, do Ministério Público Federal. Nem o mérito da questão foi apreciado ainda pelo ministro Celso de Mello, embora a ação esteja conclusa ao relator há dois anos. Enquanto o judiciário fica inerte perante a questão, o governo Puccinelli age no limite permitido pelo cumprimento de uma lei questionada no STF. Em outras épocas, deputados estaduais já trabalharam contra a Lei do Rateio. O então parlamentar Nelsinho Trad era um crítico contumaz desse artifício que retira dinheiro da saúde. Em agosto de 2004, ele fracassou ao tentar encaminhar um pedido legislativo para vetar o texto no orçamento da saúde. "Somos minoria, infelizmente perdemos", declarou à época. O poder executivo também poderia propor o fim da Lei do Rateio, mas isso não é conveniente para o atual governo. Questionado se seria interessante trabalhar pela derrubada do texto, o governador André Puccinelli apontou outra saída: "As manobras contábeis foram exercidas por todos os governadores. Já não preciso incluir a lei do rateio para atingir os 12% que a Constituição me determina". Puccinelli também comentou sobre a divergência nas contas, alertada pelo CES/MS. "O Conselho Estadual, se soubesse fazer a matemática, verificava que sem o rateio está em 12%. Não fui eu que disse, o Tribunal de Contas que disse". Mas o Tribunal de Contas do Estado também chama a atenção para outro ponto falho na execução fiscal. Embora garanta, em seu parecer sobre as contas de 2009, que a aplicação de recursos em saúde corresponda a 15,07%, o TCE/MS recomendou que o dinheiro passe pelo Fundo Estadual de Saúde, o que de fato não ocorre. Isto porque as manobras contábeis permitidas pela Lei do Rateio tornam impossível a fiscalização dos recursos pelo Conselho Estadual de Saúde - no caso, R$ 80 milhões só em 2009. "Mesmo não tendo influenciado nos resultados apresentados, (os fatos) devem merecer uma atenção especial por parte da Administração Estadual", recomenda o Tribunal de Contas em seu parecer. Fonte: Midiamax Campo Grande